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Ano 3 número 10.

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Justiça e impunidade

O povo brasileiro e a imprensa parece que não se cansam de ficarem perplexos diante da impunidade. Caso após caso, a justiça brasileira não consegue atender a demanda da população por punições aos criminosos. São os deputados corruptos, os crimes passionais, motoristas bêbados, edifícios que caem, os policiais da favela Naval, incêndios criminosos... Uma lista infindável tanto na direção do passado quanto do futuro. A cada novo caso, a previsão é sempre a mesma: "isso vai terminar em pizza".

Mas porque a justiça não consegue punir mesmo criminosos contra os quais existem provas indiscutíveis? A resposta pode estar em nossa história. Não devemos nos esquecer que até 110 anos atrás era perfeitamente legal um fazendeiro torturar e matar qualquer um de seus escravos. Ou estuprar as escravas. Não existe relato de alguém que tenha sido condenado por tais atos. Também a morte de índios. Várias expedições de "bandeirantes" exterminaram tribos inteiras. Não contentes, alguns trouxeram as orelhas dos infelizes para comprovar orgulhosos os seus feitos.

A nossa justiça se desenvolveu nesta direção. Aos amigos tudo, aos inimigos a lei. Ao longo dos séculos, inúmeros artifícios jurídicos foram desenvolvidos para explicar o inexplicável. Acima dos interesses da justiça estavam os privilégios da classe dominante. E a justiça se adequou a essa realidade. Até a linguagem empolada dos advogados parece ter sido cuidadosamente projetada para esconder o mérito das questões e criar artifícios técnicos para safar culpados. Alguém com um bom advogado tem boas chances de se livrar de qualquer crime. Entre os artifícios técnicos, o mais eficaz é o da protelação. Se é culpado, basta prolongar o julgamento. Inúmeros tipos de recursos estão a disposição do advogado para fazer um processo se estender pela eternidade. Existe a máxima "um mal acordo é melhor do que um longo julgamento".

Naturalmente que os crimes só poderiam ser permitidos aos privilegiados. Permitir o crime dos mais pobres contra os mais ricos não seria interessante para a classe dominante. Deste modo, a justiça se desenvolveu esquizofrênica, com dois pesos, duas medidas. Ao mesmo tempo que alguns garotos de classe média alta são apenas acusados de lesão corporal por incendiarem uma pessoa sem motivo aparente, um marginal que faz o mesmo para roubar 10 reais é acusado de homicídio qualificado. É evidente para qualquer pessoa que os dois são igualmente homicídios cruéis. Menos para a justiça.

Em todo o mundo, a justiça é sempre uma instituição de tradições, onde novas teses são sempre vistas com olho crítico. E é interessante que assim seja, para que princípios antigos e sedimentados sejam preservados. Mas se estes princípios são moralmente distorcidos, o conservadorismo da justiça precisa ser objeto de uma revolução.

A única força nova neste cenário é a televisão. Não existe explicação em jurídiquês que possa se contrapor a um vídeo mostrando cenas de crueldade. Ou de corrupção explícita. Mas os mais expertos já perceberam a fraqueza da televisão: ela só insiste em um caso enquanto der IBOPE. Com o passar do tempo, a televisão volta seu foco para novos crimes, deixando os velhos criminosos na mão da justiça. Onde eles se sentem bastante confortáveis.

ofr 16/3/97


Errar é humano. Mas 3 vezes seguidas..?

Este espaço normalmente não fala de política partidária, mas neste caso não tenho escolha. Os habitantes de São Paulo foram vítimas por duas vezes de engodos eleitorais e agora se preparam para entrar pelo cano pela terceira vez. Primeiro foi Quércia, que dilapidou a economia do Estado e elegeu se sucessor, Fleury. Juntos quase quebraram o Banespa e o Estado mais rico do país. Depois veio Maluf na prefeitura da Capital.

Maluf fez um impressionante conjunto de obras, embora muitas delas de prioridade discutível. Tanto que, ao terminar seu mandato, elegeu com facilidade um total desconhecido, Celso Pitta. Mas a festa de Pitta não durou muito tempo. Por traz das obras de Maluf, que alegava ser um governante dinâmico capaz de tirar leite de pedra, se escondia a triste realidade: um endividamento de proporções bíblicas. De acordo com a revista Veja, Maluf pegou a prefeitura com US$ 2.5 bi de endividamento e devolveu com US$ 6.5 bilhões. Um aumento de 260% em apenas 4 anos.

O resultado prático foi a virtual quebra da prefeitura. Falta dinheiro para a coleta de lixo, a limpeza urbana, para tapar buracos, a assistência médica, enfim, para tudo. Pitta não pode nem reclamar de Maluf. Ele próprio foi o arquiteto das operações de endividamento da prefeitura, como secretário das finanças. A dupla foi condenada por irregularidades em operações com precatórios. Tão eficientes foram os comandados de Maluf nas operações de tomada de empréstimos, que seus serviços foram requisitados por outros governos estaduais, o que resultou no chamado "escândalo dos precatórios". Foi um vale-tudo do endividamento, fato lamentavelmente ignorado pelos tribunais de contas e pelo legislativo.

Como porta-voz do grupo, despontou o sempre sincero Reynaldo de Barros. Ele, que já havia declarado que a prefeitura trabalhava para os que pagam impostos - os ricos - agora ameaça despedir o fiscal da CETESB que multou a prefeitura por jogar lixo hospitalar em aterro sanitário, assim que Maluf assumir o governo estadual. Trata-se de uma promessa futura de abuso de autoridade, posto que a multa foi mais do que justa: o lixo hospitalar deveria ter sido incinerado. Jogado no aterro como foi, representa grave risco para a saúde pública. São materiais contaminados que podem espalhar doenças pelo lençol freático ou infectar pessoas que coletam seu sustento no lixo. Mas parece que ninguém notou nenhuma irregularidade na ameaça.

Agora, Maluf surge liderando com 34% das intenções de voto na próxima eleição para governador. O eleitor parece que não captou bem o que aconteceu. Nem no caso dos precatórios. Nem no dos frangos. E pode pagar caro por isso.

ofr 7/3/97


Satélites LEO x GEO

Os satélites de comunicações deram enorme impulso às comunicações internacionais. Os satélites, localizados a grande altura, servem como pontos intermediários no transporte de dados e voz entre dois pontos distantes na Terra. Para as freqüências altas, usadas em comunicações, transmissões eletromagnéticas só são possíveis se o transmissor tiver uma "visão" desobstruída do receptor. Os satélites em órbita permitem essa comunicação em linha reta.

Tradicionalmente tem sido usada a chamada órbita geo-estacionária para a colocação de satélites (também conhecida como GEO - Geo-stationary Earth Orbit) . Esta órbita fica a 36.000 Km de altura, no plano do Equador terrestre. Na órbita GEO, um satélite se mantém estático sobre um ponto do Equador, completando uma volta em torno da terra a cada 24 horas, mesmo tempo que a Terra leva para dar uma volta. Assim fica fácil para uma estação terrestre acompanhar o satélite com sua antena parabólica.

Mas existem problemas. Pelo fato da maioria dos satélites estarem nesta órbita, a uma altura determinada, podem haver problemas de colisão e interferência. Muitos dos satélites ali colocados já estão obsoletos ou fora de uso por defeitos. Pior que isso é a grande distância da órbita GEO. A 36.000 km de altura, um bit de informação deve percorrer no mínimo 72.000 para atingir seu objetivo (ida-e-volta ao satélite). Quem fala por telefone em ligações internacionais via satélite percebe o desagradável atraso causado por essa distância.

O atraso, também conhecido como latência, é um problema ainda maior para protocolos de comunicação como o TCP/IP, usado na Internet. Neste protocolo popular, o receptor envia um sinal indicando a chegada dos dados sem erros ao transmissor, processo que envolve uma viagem de 150.000 km dos dados (duas ida-e-volta ao satélite).

Mesmo à velocidade da luz, tal distância leva meio segundo para ser percorrida. No TCP/IP, o transmissor envia uma certa quantidade de dados e fica aguardando o "recibo" do receptor. A quantidade de dados enviada sem confirmação pode chegar no máximo a 64 kbytes. Ao término desta quantidade, o transmissor fica aguardando da confirmação do receptor antes de mandar mais. Como a confirmação só chega, na melhor das hipóteses, após meio segundo; tem-se a taxa máxima de 128 kbytes por conexão, mesmo que o canal tenha uma capacidade maior.

Para resolver esse problema tecnológico, novas tecnologias estão em desenvolvimento: o uso de satélites em órbitas baixas. São os satélites LEO - Low Earth Orbit. Estes satélites voam entre 150 e 1500 km de altitude. Nestas órbitas, a rotação do satélite em torno da Terra se dá em um período muito menor (em torno de uma hora). Por isso, eles passam rapidamente acima de pontos na Terra. Assim, são necessários muitos satélites para atender continuamente a cada ponto na Terra. Quando um satélite termina de passar, um outro tem que estar entrando no campo de visada de cada estação terrestre, para que não haja descontinuidade do serviço.

De certo modo, este sistema se assemelha à comunicação por telefonia celular. Quando uma pessoa fala no celular em um carro em movimento, ela vai se comunicando com diferentes antenas instaladas pela cidade, na medida que se move. O charme do sistema está justamente na negociação transparente entre o aparelho celular e as várias estações fixas, de modo que o usuário não perceba o que está ocorrendo e tenha um serviço contínuo. Em uma constelação de satélites LEO, as estações terrestres serão (na sua maioria) estáticas, mas os satélites se movimentarão rapidamente. Será necessária, portanto, a substituição automática do satélite atendendo um determinado ponto pelo próximo. Não é de se estranhar que um dos pioneiros da telefonia Celular, Craig McCaw, seja também um dos pioneiros na tecnologia LEO, com sua empresa Teledesic.

Os satélites LEO tem várias vantagens em relação aos GEO. Como as órbitas são baixas, o foguete necessário para lançá-los é bem menor e mais barato. Estão em estudo foguetes econômicos, que seriam lançados a partir de aviões. Mas a principal vantagem é a pequena distância da Terra, o que permite um baixo tempo de latência nas comunicações. Mesmo a 1500 km de altitude, o tempo de ida-e-volta entre dois pontos a Terra não supera 1/10 de segundo, permitindo um desempenho semelhante ao obtido com cabos submarinos de fibra ótica.

A empresa Teledesic, uma associação entre McCaw, a Boeing (que proverá a tecnologia espacial) e Bill Gates, pretende colocar 288 satélites no espaço na primeira fase. Estes satélites estarão dispostos em 12 orbitas polares, com 24 satélites em cada. Formarão uma espécie de Internet no espaço. Um ponto na Terra transmitirá para um satélite, que transmitirá para outro e assim por diante, até chegar ao destino final. Tal sistema, que terá cobertura mundial, deverá entrar em operação em 2002. Desnecessário dizer que muitos detalhes ainda estão em aberto, mas a promessa é de uma nova dimensão nas comunicações de longa distância, na medida em que este sistema fará concorrência com os sistemas de telefonia internacional em todo o planeta. Outro projeto semelhante é o Iridium, da Motorola.

Para países como o Brasil, estes sistemas terão um apelo adicional. Por aqui, as comunicações sempre foram caras, preços que resultam de anos de monopólio estatal e volume relativamente baixo. Como os sistemas LEO terão banda disponível nas áreas periféricas, onde a demanda é bem menor que nos países industrializados, é provável que existam tarifas promocionais nestas áreas, para estimular o consumo e preencher a capacidade osciosa. Uma boa notícia: comunicação de longa distância, em todo o país, a um custo atrativo. Isto pode dar um impulso de desenvolvimento a áreas anteriormente isoladas.

Veja também:

ofr 1/3/97


500 anos de que?

Faltam 800 e alguns dias para o Brasil completar 500 anos do descobrimento . A Globo prepara uma grande cobertura, tanto que já está começou a contagem regressiva, mais de dois anos antes da data. É o Projeto Brasil 500.

Um grande evento de mídia, com gordas cotas de patrocínio. Um mega-acontecimento. Muito carnaval, fogos de artifício, cerveja, música, alegria... Daqueles anos em que ninguém trabalha. Afinal, além de 500 anos de Brasil, vai ser ainda a virada do milênio! Um prato cheio de números cabalísticos que promete muito serviço para os numerologistas. 500 anos. 2000 anos. E até 30 anos do tri-campeonato mundial.

Mas o que se comemora em 22 de abril de 2000? A chegada de Cabral ao Brasil? A primeira missa? Serão esses eventos dignos de tal comemoração?

O primeiro ato dos conquistadores lusos foi abater uma árvore para fazer uma cruz para a missa. A primeira árvore de uma série de bilhões que viriam a baixo nos próximos 500 anos, destruindo 97% da Mata Atlântica, hoje a mais ameaçada do planeta. Em 1600, no aniversário de 100 anos do descobrimento, o número de índios nas regiões costeiras do Brasil já havia declinado para 5% do original. 95% haviam perecido. Muitos foram levados a Portugal, para servirem como curiosidades exóticas ou objetos sexuais da corte. Outros foram usados como escravos.

Estimularam a guerra entre grupos indígenas. Mas a maioria dos nativos pereceu vítima de outros "presentes" trazidos pelos conquistadores: sarampo, malária, febre amarela e outras epidemias, que aqui encontraram uma população sem defesas naturais.

Os conquistadores não demonstraram nenhuma apreciação pelos índios, sua cultura e seus conhecimentos da floresta. Durante séculos, procuraram formas de assaltar e extrair daqui tudo que tivesse algum valor comercial, sem se preocupar com a gente do lugar ou com a preservação dos tesouros da terra. Com a morte dos índios, desapareceram também as informações sobre milhares de espécies vegetais e animais da floresta, de valor medicinal e alimentício.

Cabral deixou por aqui os primeiros colonizadores: dois condenados a morte a quem foi dada a "opção" de viver na nova terra, entre os selvagens. Um belo início de colonização! A Cabral nada interessava da nova terra, senão talvez algum ouro que os indígenas de Porto Seguro aparentemente não tinham. Seguiu para as Índias, mandando uma nau de volta a Portugal com a boa nova.

Os reinos de Portugal e Espanha haviam firmado o tratado no qual dividiam as novas terras entre os dois. Nem sabiam ao certo o que estavam dividindo e ignoraram completamente quaisquer direitos dos que já moravam aqui ha mais de 10.000 anos: na época, eram dezenas de milhões de índios. Estes, pensaram, eram um bando de pagãos que não tinham grande serventia, senão para o trabalho escravo.

Saquearam a fauna local, dando preferência a animais com belas peles, como as onças, e as aves coloridas. De muitas espécies tem se apenas o relato impreciso da sua beleza. Papagaios pretos. Aves multi-coloridas. Se extinguiram já nos primeiros séculos de ocupação. Outras conseguiram sobreviver em partes isoladas da floresta, mas seu futuro não é, aparentemente, muito mais promissor.

Mais tarde, os portugueses acharam o tão sonhado ouro no Brasil. Levaram embora, pouco deixando investido por aqui. E torraram tudo, sobrando pouco por lá também. Um verdadeiro banquete, seguido da maior ressaca. Nas Minas Gerais, de onde veio o ouro, restaram apenas a devastação da mata e a erosão da terra.

Quando a coisa ficou preta por lá, a família real fugiu para o Brasil, mas nem assim perdeu a hábito de saquear a nova terra. Afinal, suas riquezas pareciam inesgotáveis. O objetivo era mesmo voltar para a Europa na primeira oportunidade. Aqui fazia muito calor e tinha muito mosquito.

Talvez não seja o caso de comemorar esses 500 anos. Quem sabe seja mais o caso de romper com a tradição eurocêntrica. Os conquistadores europeus, em suas invasões, espalharam a guerra e a doença. Na África, Ásia e aqui, na América. Resta comemorar os 2000 anos do nascimento de Cristo ou os 30 do tri. Quanto aos 500, o que era mesmo que ia ser comemorado? Talvez o ano zero de uma nova era de convivência com a natureza e de respeito ao ser humano.

Veja também:

ofr 27/01/98


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